Mamãe, não sou mais virgem!

 

Boa ou má notícia? Muitas mães preferem não ouvir tal verdade, e esta é a razão porque muitas jovens têm medo de contar-lhes que não são mais virgens e que o controle do corpo agora têm elas. Elas deram um passo irreversível, entraram para a vida de ser mulher feita e donas de seu corpo com o direito ao prazer, mas também com todos os riscos que isto pode trazer: gravidez indesejável, doenças contagiosas e deficiências como a AIDS, como também maus parceiros. Foi, porém, esse passo resultado de uma decisão consciente e acertada? Não se sabe a priori, mas o mais importante a partir daí é se elas estão preparadas para viver consciente e plenamente sua sexualidade, o que, por outro lado, nada disto é fácil por não só está implicado com a educação recebida em casa e na escola.

Verifiquei nas minhas pesquisas que a insegurança – considerada normal – frente à primeira relação sexual é bem menor nas jovens do que o medo de que os pais a descubram, ou de contar em casa, sobretudo à mãe. O medo de falar está carregado de culpa, vergonha e ameaças de serem controladas. Terem optado, contudo, por não ser mais virgens foi um ato de independência – seja este consciente ou não – termina ele drasticamente numa separação. Embora a jovem continue a viver sob o mesmo teto com os pais, ela já faz coisas sem pedir-lhes permissão – ela já tem uma privacidade. Para muitas jovens isto parece ser como viver uma vida dupla por ter quebrado a confiança dos pais; elas sabem como eles irão reagir e isto as perturbam. Infelizmente esta é uma situação ainda vivida em muitas famílias brasileiras; outras culturas, pelo contrário, são mais flexíveis, não estão orientadas por valores rígidos e conservadores e investem mais em esclarecimentos. Decisivo é como a relação familiar está articulada – caso a comunicação em casa esteja dirigida para orientar com respeito e infundir confiança, o medo não terá razão de ser, pois a jovem não sentirá vergonha ou culpa de sua decisão, e decidirá por ela mesma se contará em casa ou não.

Muitas mães não só esperam que suas filhas lhes contem tudo, mas acham que elas devem ter essa obrigação – impossível – e sentem-se desobedecidas e até traídas ao não serem informadas ou procuradas para uma conversa particular. Aí falta o respeito à filha que por sua vez está formando sua privacidade. A confiança se dá com base num diálogo sincero e requer respeito das partes. Onde as prioridades são formas de cobranças, ameaças e até chantagens não pode haver diálogos, senão autoritarismo. Essas mães não sabem lidar quando suas filhas chegam à puberdade e têm a primeira regra; elas se preocupam demais e confundem cuidados normais com ordens e proibições. As transformações físicas causadas pela produção do hormônio estrogênio podem constranger as meninas, e elas devem ser esclarecidas, respeitadas e nunca motivos de troças. Mudanças emocionais e sentimentos de valor aparecem após o primeiro sangramento menstrual: sou mesmo valorosa?
No Brasil a primeira relação sexual pode passar já aos quinze anos ou antes, ou seja, na puberdade; nas classes mais baixas a promiscuidade entre familiares pode acelerá-la tornando este contato forçado, dolorido e traumático, e não é raro que meninas engravidem por ele, sem querer obrigadas precocemente a entrar na vida adulta quando podiam ainda estar na escola. Tirando esse aspecto cruel do primeiro ato, meninas estão perdendo a virgindade cada vez mais cedo, mas para cumprir outras exigências comparadas a nossos antepassados. A minha avó, por exemplo, engravidou de sua primeira filha – a minha mãe – aos treze anos já casada, para formar uma família e ser a mulher do meu avô, sustentada e protegida por ele. Contando isto a uma roda de mulheres durante um jantar, uma delas disse que para a minha avó isso foi como uma violação – sim, uma violação permitida. Hoje, parece-me que o período da infância está se encurtando, mas por outras razões: as facilidades que a vida oferece, o acesso rápido a informações e contatos, os apelos ao desfrute da vida são o que conduzem as jovens a se desenvolverem mais rápido, querendo ter experiências inusitadas que encham e deem um sentido à vida.

Os pais devem compreender e aceitar que os diálogos prestadores de contas das filhas vão deixar de existir, dando lugar a livre iniciativa e a prática de tomar decisões dos seus atos por elas mesmas, minimizando a influência deles. É que nesta constelação não se pode falar de tudo; é o momento de admitir que suas filhas já têm uma privacidade, e eles serão convidados a participarem dela, se elas quiserem. O dito „minha mãe é minha melhor amiga“ parece mais ficção do que realidade, pois o laço que une mãe e filha não é o mesmo que une duas amigas íntimas; na relação entre pais e filhas os papeis de ambos vão estar sempre presentes, determinando e cobrando suas partes. Melhor do que esperar da filha uma amiga aberta é fortificar os laços de confiança entre eles. Lembro-me que numa das minhas viagens ao Brasil, fui apresentada a uma jovem entre dezessete e dezoito anos que chegou com o seu namorado durante um almoço na praia. Depois que eles foram embora, o pai da moça me falou num tom resignado: „ela já fez“. Eu perguntei-lhe se ela o tinha contado, ou se ele a abordara. Não, nada disso. Então disse-lhe que ele estava agindo muito bem, que a deixasse em paz, que o fato de ela ter feito ou não era um assunto que só a ela cabia. Ainda que abatido, ele me confirmou. Acho que ajudei este pai a aceitar suas limitações e a nutrir respeito pela filha.

Por que a virgindade ainda é essencial em certas culturas, se ela como uma membrana fina e elástica pode ser rompida por um tampão, ou em certas práticas de esporte ou dança, ou até mesmo com o uso do dedo? Só para manter os valores patriarcais submetendo as mulheres ao domínio deles – claro, mas não só. Também certas religiões impondo as noções de pureza e pecado guardam a virgindade até o casamento, oferecendo-a ao marido após terem recebido a bênção de Deus. No fundo é a visão de pecado que prevalece ao considerar a sexualidade humana, e esta visão reduzida e ignorante é responsável, se de um lado pela abstinência do ato sexual como dever, por outro por excessos. Nada foi tão usado como objeto ideológico como a sexualidade: ou ela está pairada sob as sombras do pecado, ou é usada como fator de domínio exclusivo do marcho – os dois aspectos se complementam, e para sair destes extremos precisamos de muita luta de emancipação. E as nossas fantasias, estes depósitos imaginários? Aonde eles nos levam? Ao perigo? Que nos salvam?

As mães, principalmente, não podem garantir que suas filhas tenham uma vida sexual satisfatória, mas podem contribuir para isto desde o estabelecimento da autoconfiança até a consciência do corpo e o respeito por ele.