Já um mês sem Marielle Franco

 

Devia publicar no 30 de abril deste, como mesma o indiquei no post anterior. A data de hoje – um mês da morte de Marielle Franco – não me fez calar, mas antes expressar a minha dor em forma deste humilde texto.

 

Já um mês sem Marielle; um mês sem a sua presença forte e decidida, sem o seu respaldo a aqueles por quem ela lutava. Não a conhecia quando estava viva e atuando como vereadora – que pena! – talvez por não viver no Brasil e não poder me dar conta de tudo que passa no país; assim não pude acompanhar seu itinerário político e suas lutas, sendo por isso este post de caracter pessoal e carregado de emoções, como também vindo de um esforço à maneira de suprir as lacunas que tenho em torno de sua vida. Mas observando as suas fotografias, deparei-me com uma mulher alegre, forte e dona de um sorriso aberto de quem conhece a franqueza, e de um olhar firme e direto, de quem sabe ir muito longe. Essa mulher merecia morrer? Claro que não, e ainda mais por mãos de – encargados ou não – bandidos vis, como uma forma de represália – por ter sido Marielle um perigo para seus projetos ignóbeis? Com ela também morreu outro, o Anderson Pedro Gomes, que foi uma vítima do crime só porque conduzia o carro onde se encontrava a vereadora – esta sim era o alvo da emboscada que resultou em treze tiros. Treze tiros também foram disparados contra Mineirinho, um bandido e criminoso em 1962 e que levaram Clarice Lispector a escrever um conto sobre ele – um dos seus contos preferidos. Os treze tiros me fazem lembrar que na sua última entrevista em 1977, poucos meses antes de morrer, Clarice Lispector mencionou horrorizada o quanto esse caso a encheu de dor e revolta diante da injustiça chamada „justiça“: foram treze balas „quando só uma bastava para matá-lo“ e „qualquer que tivesse sido o crime dele, era prepotência, era vontade de matar.“ Clarice, de forma magistral no conto, se transforma em Mineirinho e acompanha-o até o último disparo: „ O décimo terceiro me assassina – porque eu sou o outro. Porque eu quero ser o outro.“

As perguntas ao redor da morte de Marielle são muitas sem que já tenham sido respondidas, deixando um vazio como um buraco aberto, mas sem mostrar o que tem no fundo. É também o vazio que ela deixou na sua família, na sua companheira, nos seus colegas de militância e em todos os brasileiros que a seguiam e acreditavam no seu trabalho. Este vazio só pode ser preenchido através de lutas que continuem as suas aspirações e digam NÃO ao crime organizado: MARIELLE VIVE.

A Organização das Nações Unidas exigiu dos políticos brasileiros o esclarecimento total sobre a execução de Marielle e seu motorista, Anderson Pedro Gomes; a Anistia Internacional e comissões comprometidas com os direitos humanos também estão preocupadas pela falta de solução e incerteza que o caso no fim das contas poderá descambar; enquanto isso forma-se no Brasil uma onda de protestos – como se já estivesse prestes a explodir – assentada no torpor e na indignação de um povo inconforme com os abusos dos que acoitam a violência e o crime. Isto para mim é mostrar uma cara nova, ao preferir formas sociais de protesto e não entregar nas mãos de Deus, como se só ele fosse capaz de fazer justiça. Por outro lado, e como reação direta ao processo de conscientização das populações oprimidas, eclodiu uma onda negativa saída de um ódio profundo às classes – um ódio antigo, anterior às democracias – expresso falsamente em nome da livre expressão, mas que no fundo é uma descarga de repulsa a tudo que se opõe ao conservadorismo, ao patriarcalismo e à discriminação social que leva a marginalizar pessoas pela cor, pelo sexo e pela condição de vida de onde elas emergem – uma aversão às forças democráticas, as quais o Brasil, dotado de bom senso daqueles que lutam contra elas, não deverá permitir.

O ódio é uma descarga do medo; o pânico de perder o poder ou privilégios e até mesmo o próprio caráter onde se assentam as convicções. Uma das teorias do ódio o explica como resultado de uma pressão sofrida por uma pessoa ao ser exigida que ela se libere, ou seja, forçar o outro a liberar-se, causa ódio. Podemos aplicar esta teoria às expressões de ódio contra a esquerda? Marielle e Lula são os mais recentes exemplos de difamação, calúnias e desrespeito até onde não se pode imaginar, como mesma li nas redes sociais e noticiários vistos como confiáveis. Chamar Marielle de safada, ou Lula de bandido sujo é ao meu ver a expressão de uma incapacidade ao não poder liberar-se do que impede reconhecer o outro e vê-lo como igual. Por que a desembargadora Marília Castro Neves preferiu caluniar a referir-se a Marielle com mais ponderação e discernimento? Por que muitos comemoraram a prisão de Lula? Marielle sabia responder sem medo estas perguntas e outras mais; por isso a fizeram calar.