A modo de clichê ela é uma garota de aparência comum para o norte da Alemanha: cabelos louros e longos, pele clara de porcelana como uma Barbie, os olhos azuis salientados pelo espesso rímel – uma cara de boneca. Ou uma figura inspirada numa fada num fundo cor de rosa cintilante com estrelas faiscantes; produto perfeito para entrar em cena; uma confecção sob medidas para sustentar a ilusão da confiança de seus seguidores no youtube, onde tem aparecido desde maio de 2019 relutante, pregando o evangelho do negacionismo, aliás uma nova corrente – um micróbio – das teorias conspiratórias, que afirma, entre outras coisas, que as mudanças climáticas não são consequências da ação do homem sobre o planeta, mas sim um processo contínuo e natural aliado a fatores de influências ligados ao planeta, como o sol e as núvens.
Essas explanações são tentativas de subverter resultados de investigações científicas sobre o aquecimento global e as alterações do clima, apresentando outros dados com base em pesquisas de alguns suspeitosos institutos como o Heartland Institute, uma Think Tank americana, para o qual Naomi Seibt trabalha – um de seus financiadores é a indústria de tabaco e petróleo – o EIKE, Instituto Europeu para o Clima e Enérgia na Alemanha – no fundo é mais uma associação. O Brasil e os EUA são exemplos de incluir essas ideias como versão oficial na pauta do meio ambiente. Donald Trump nos seus quatro anos de gestão não participou dos Acordos de Paris; Jair Bolsonaro o seguiu em linha direta.
E é aqui onde entra em cena a nossa Barbie, acima referida, pois ela – que agora tem um nome: Naomi Seibt – é figura importante em divulgar ideias negacionistas apoiadas por políticos, profissionais, jornalistas, empresários de direita e pseudocientistas, alertando a necessidade de pensar para escapar do pensamento imposto e dominante, e dizendo-se inspiradora para aqueles, que por medo, não são capazes de sustentar uma opinião própria, mesmo estando contrários ao mainstreem, (este sendo principalmente a versão oficial do governo alemão que, mesmo devagar, dá alguns passos na proteção do clima.
Naomi Seibt nasceu em Münster, no oeste da Alemanha na região da Vestfália em 2000. Sua mãe é afiliada ao AfD – Alternativa para a Alemanha – um partido bem de direita que tornou-se mais forte estando contra as medidas da chanceler Angela Merkel ao deixar em 2015 refugiados, sobretudo muçulmanos, entrarem no país. Sua frase-argumento para socorrê-los, que bem lembra Barack Obama com o seu Yes, we can, virou contra-argumento da direita, não só de protestos, mas também de atentados.
Pois é, Naomi Seibt pertence a ala dos que negam, ela se vê como realista do clima, ao mesmo tempo que também é vista como a anti-Greta do clima, a post girl da direita: a crise climática mostrada pela imprensa não é justa, é fake, é produto de falsos dados científicos exagerados para fomentar o pânico e o controle sobre as pessoas, diz. Sem referir-se diretamente a Greta Thunberg, faz sua pergunta de choque: How dare You? – Como ousa? A tônica do discurso de Naomi Seibt ressalta o intento de contrariar o que Thunberg vem afirmando, ela a contradiz, o seu modelo de projeto não parece mais do que uma forte oposição à jovem ativista sueca, é como uma forma de apagá-la, e isso é tudo. Um novo produto lançado faz o negócio florescer se ele aparece com outra cara, em relação aos outros já existentes. Naomi Seibt ganha com isso, ela se reveste do raciocínio de Greta para contradizê-la: I want you to panic; Naomi objeta: I do not you to panic, I want you to think – sobrepondo o racionalismo ao suposto romantismo atribuído a Greta.
Também na aparência elas são bem diferentes. Enquanto Thunberg mostra modéstia no vestir e no arrumar o cabelo com uma trança comprida, Naomi Seibt apela para a sua imagem: em alguns de seus vídeos parece mais uma adolescente interessada em make up e xuxinhas para o cabelo – é claro que ela quer aparecer como qualquer mocinha de sua idade, e isto também faz parte do projeto. Ao ser chamada de a irmã de Beate Zschaepe, – uma dos culpados, envolvida nos assassinatos neonazistas de nove homens de origens não alemã entre 2000 e 2006 na Alemanha, – não se sentiu ferida: „é que as pessoas não me conhecem“, ou seja, se as pessoas se dirigissem a ela, isso não passaria de um engano? Por outro lado insiste em ser perseguida pelas mídias sociais e o quanto falsas declarações e comentários negativos sobre ela a tocam – até lágrimas aparecem – mas claro ela não se deixa aterrorizar por isso. Também a acusam de estimular a polarização do país; seus vídeos são endereçados aos que pensam, ou a aqueles que um dia vão pensar, como ela: „Oi, vocês que pensam diferente! Depende de nós romper o silêncio.“
Romper o silêncio é uma alusão à teoria de Elisabeth Noelle-Neumann – ela trabalhou para o governo fascista de Adolf Hitler – exposta no seu livro A Espiral do Silêncio, na qual a opinião pública e o controle social estão relacionados. Uma vez que o que forma aquela, é o que compõe a sociedade, ou seja, sistema de valores, costumes, tradições – o transmitido e o aprendido – eles desempenham também o papel de um „temido“ controle social na formação das opiniões. Assim as opiniões se espalham e divergem-se, mas o medo faz as pessoas se calarem, se suas opiniões não condizem com as demais. Noelle-Neumann acha até, que opiniões são formadas por observações no convívio entre as pessoas para que elas não se sintam excluídas. O que faz romper a espiral do silêncio é quando pessoas, ditas de vanguarda, agem, saindo do isolamento e da submissão e passam „de forma pioneira“ a fazer mudanças nos contextos de opinião – a opinião pública ganha assim um caráter dinâmico.
Não é para isso que trabalham Naomi Seibt e todos os grupos de negacionistas e partidários das teorias de conspiração com o fim de apoderarem-se de forma sistemática e exclusiva ainda mais de meios que acatem seus interesses? Como medidas políticas de proteção ao clima. É que a faca corta dos dois lados, e uma espiral sobe e desce. O que eles pensam do mainstream como a expressão da histeria, do medo de que os jovens não terão um futuro promissor; eu, que não faço parte do manistream, vejo por outro lado, esse grande número de pessoas que também se referem ao coronavírus como uma gripezinha e acham que a última eleição americana foi uma fraude – como simplesmente medrosos. Há, porém, por trás deles um aparato, um corpo bem construído de interesses financeiros e políticos que não querem perder suas posições de privilegiados em nome de quaisquer que sejam as mudanças sociais que os contrariem. Mesmo assim e apesar de pressões e perseguições as mulheres avançam em seus propósitos de autodeterminação; os negros mostram que resistem e lutam por um lugar digno na sociedade; a comunidade LGBT+… vem ganhando espaços e cientistas de verdade revelam-nos as drásticas condições da terra – são alguns exemplos. Também historiadores afirmam que nós humanos temos alcançado hoje um nível de civilização nunca existido antes – mesmo assim essa notícia não me tranquiliza.
Naomi Seibt com seu QI elevado, seu currículo brilhante, seu inglês impecável, seu talento musical e poético – ela toca harpa e escreve poemas – me deixa inquieta. Como uma menina tão dotada e educada com privilégios que eu não tive, encontra na visão negacionista de fatos tão evidentes seu próprio modo de se afirmar? Ela não só nega dados negativos e comprováveis do meio ambiente, como é contra a política de imigração; chama atenção para o perigo de uma ditadura socialista; é contra a política de cotas para as mulheres, ao mesmo tempo que critica o feminismo; não se diz de direita nem contra o semitismo, mas é simpatizante de um partido alemão muito de direita, o AfD e contribui para ele; se denomina libertária; e quanto ao aborto legalizado, diz que políticas que controlam a natalidade por medo do excesso de nascimentos não são boas. A lista de contras dessa garota parece um pacote feito de antemão e enviado ao destinador, que ao abri-lo encontra nele as instruções de uso do produto. Tenho raiva dessa garota, mas não quero feri-la com palavras – se bem que podia. Quando vejo suas fotos ou assisto a seus vídeos, não sei se seu posicionamento frente à vida mesma é de sua natureza convicta, ou se ela é uma oportunista. Naomi Seibt só tem vinte anos e por pouco li que por enquanto tem planos de ir estudar nos Estados Unidos no próximo ano. Vá com Deus garota.
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