O Brasil à venda

                    O  Brasil à venda

Lá vem ele pra se apresentar – como a estrela deste ano do Fórum Econômico Mundial pela ausência de Donald Trump, mas julgado como capaz de brilhar no cenário político de Davos – aparecendo detrás de uma cortina, como se estivesse metido num lugar sem saída, deu-me a impressão de um menino forçado a representar no palco um papel incômodo, e ali já estando não tinha para onde correr. Assim foi ontem, 22 de janeiro de 2019, Jair Bolsonaro em Davos na Suíça, onde fez a sua primeira apresentação pública internacional como recém eleito presidente do „paraíso“ Brasil, „mas” infelizmente „muito pouco conhecido.“ Eu não me surpreendi com a sua atuação, pelo contrário, ela foi o que eu já esperava daquele dito „mito“ falsamente construído antes de passar pela difícil prova de conhecimentos; Jair Bolsonaro, o homem que poderia passar despercebido e sem ser ouvido, se não tivesse virado presidente da república. É coisa mesmo de brasileiro dar tal atribuição a um simplesmente nada?

Bolsonaro nunca me enganou, já o aguardava exatamente fora da proteção do lar-Brasil – seu palco seguro – e vê-lo falar diante de um público internacional de políticos, intelectuais e jornalistas especializados, resolvendo os testes de retórica e conhecimentos e provando sua falta de preparação adequada ao evento. Contudo isso, se me limito só a ele não é justo, sabendo que o que ele disse em Davos foi resultado de sua „qualificada“ equipe de assessores, esta que o expôs assim incompetente frente a uma elite política; o que dá certo e existe no Brasil – sem incluir aqui aspectos culturais – não significa sempre aprovação em outros países – gestos, expressões, atitudes aprovados dentro do país, podem ser bem rejeitados lá fora.

Meu marido esteve no Brasil após as eleições com a vitória de Bolsonaro. Nesta ocasião um homem lhe perguntou de onde ele era, e ao ouvir do meu marido que ele era alemão, estirou um braço imitando o gesto fascista de saudação a Adolf Hitler e achando que ia ser bem recebido. Claro que não. Meu marido o rejeitou e afastou-se dele. Se no Brasil o „só não te estupro porque você não merece“ considera-se normal falar assim para uma grande maioria que dá de ombros ao que realmente significa a declaração, tem peso no estrangeiro. O jornal alemão Welt não esqueceu, e mencionou-a entre outras afirmações racistas e populistas de Bolsonaro, em primeiro lugar, antes de relatar sobre seu discurso em Davos. Dentro do Brasil ele pôde, durante a sua campanha, fazer uso de um vocabulário baixo: „tou me linchando pra você“ – quando discutiu com uma repórter jovem em Brasília – consciente de que mesmo chocando a uma parte do povo, podia impressionar e ser louvado por outros – ele estava „linchando“ uma parte do povo – só que no estrangeiro capitão, isso não passa despercebido. Aqui na Alemanha quando Bolsonaro é mencionado nos noticiários, primeiro e antes da notícia é referido como populista, direitista, e conhecido por suas declarações hostis e inimigas de movimentos progressistas de mulheres, homossexuais, negros e índios. Por que foi surpresa para muitos os efeitos de sua figura grotesca no estrangeiro? Se não foi grotesco falar que temos cidades e praias lindas, foi por outro lado banal como forma de convite aos presentes a irem ao Brasil e constatar in loco que é verdade o que ele diz. No entanto essa banalidade transportou as intenções de seu governo de tornar o Brasil sem complicações num país para futuros investimentos – era como dizer: venham ao Brasil, comprem nossas nacionais, façam seus negócios da China, para isto o Brasil é um paraíso de oportunidades lucrativas e flexíveis, e é, acima de tudo, seguro. Usou de generalizações superficiais e até mentirosas para falar da realidade brasileira – mas isso não era tudo que a sua super equipe governamental tinha para dizer? As estratégias, os projetos e passos de seu programa foram calados como para não responder perguntas fora do script ou levar os presentes a perguntar-lhe sobre a reforma da previdência, ou da oficial posse de armas pelos „cidadãos de bem.“ Nada sobre isso foi falado, salvo quando foi perguntado, a modo de cobrar dele o que tinha faltado no seu discurso: conteúdo. A pergunta era para saber que passos concretos o presidente daria para transformar o país. Também aí a sua resposta foi geral, promessas de um candidato prometendo trazer melhoras.

No fundo Jair Bolsonaro repetiu os discursos populistas de sua campanha, desta vez moderado, formal, pausado – para ser bem traduzido – e lavado da corrupção do ex-presidente Luís Inácio e da esquerda. Ele ofereceu e prometeu um Brasil sem esquerda e „sem ideologias,“ só a possibilidade neoliberal de fazer de um governo federal um puro negócio, sem interesse e responsabilidade de criar projetos sociais e diminuir as dificuldades de subsistência. Como senti vergonha, apesar de estar sozinha em frente ao youtube; tive vergonha, raiva e até uma inquieta satisfação porque o que vi foi uma confirmação do que é a boca grande de um homem explosivo e agressivo quando se expõe sem defesas. Aquele homem que deixava claro que tudo era possível pela força de chegar ao poder, porque achava que o Brasil era o centro do mundo, e o mundo iria se curvar ante sua megalomania – aquele homem foi almoçar sozinho num bandejão ontem; aí tive pena de sua aparência acuada, fraquejada, nem parecendo ser um chefe de Estado, mas parecendo ter buscado um retiro num restaurante popular. Onde estava sua equipe? Que estava sentindo no momento? Não quero fazer hipóteses – elas não são importantes – Na realidade aquele homem era o presidente de uma nação que até o ano passado ocupava o oitavo lugar entre as maiores economias do mundo.

O presidente Bolsonaro teve sorte ainda no mesmo dia: ele bateu o bingo de Davos usando a chance de poder corrigir suas limitações e sua falta de horizontes, quando à delegação brasileira foi oferecido um jantar. Mesmo assim ele não passou de levar o público a rir no início de seu discurso menos formal, confirmando a habilidade que o brasileiro tem, sem complicar, de tornar o formal em informal, e repetiu o que já tinha dito no discurso da manhã. Não trouxe nada novo que pudesse encher as expectativas dos presentes; só que desta vez Bolsonaro quis passar na prova oral de retórica, e falou sem ler. Foi então aplaudido cortesmente.