Sobre o amor e alguns equívocos

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Fotografia da ChristinArt (todos os direitos reservados)

Não é a minha intenção aqui resolver problemas de amor, nem dar conselhos de como se deve amar ou consegui-lo, já é demais querer falar de amor por ser um tema tão vasto e possuir tantas abordagens, outrossim pela sua natureza abstrata ser impossível de encaixá-lo em planos ou projetos para o futuro. É também entrar num mundo composto de sentimentos, paixões e muitas histórias. O amor tem a sua presença em todas culturas e o seu lugar na história da humanidade pela sua força criadora e sua capacidade de provocar mudanças.

Muitas pessoas falam do amor só como uma experiência que seja, fantástica, absurda ou dolorosa; nunca um tema foi tão abordado quanto este, nunca uma frase foi tão repetida como “eu te amo”, “I love you”, “ j’taime”,  e em outras línguas. A literatura, a música, o cinema, o teatro são formas artísticas cheias de exemplos de amores, tais como os correspondidos ou não; os realizados e os malogrados; os ilusórios, complicados, tempestuosos, cruéis e, sobretudo, os infelizes. Infelizes porque se fala melhor do amor quando ele faz sofrer? A dificuldade reside em encontrar um equilíbrio entre a dor e o
prazer de amar, de poder desfrutar estar junto com o outro, mesmo sabendo que este momento não fica para sempre. Esta descrição está nos versos de Ira Intsch de forma belíssima:

Meu rosto se apóia em tuas mãos.
Sentir-te, absorver teu perfume e unir-me a ti.
Contigo falar de Deus e de tudo que o mundo
nos mantém juntos.
És tu que te expandes em mim.
E eu faço o mesmo em ti.
Resistiremos a tudo isso?

Ainda há aqueles que negam a sua existência, e falar de seus insucessos é um bom argumento para afirmar que ele é impossível de forma erótica. Ou melhor: no desejo sexual, cuja energia é a libido, simbolizados por Eros, não há amor, já o amor a Deus seria a única forma cabível de amar, do mesmo modo que o amor entre pais e filhos. Assim o amor erótico se diferencia do amor filial e do fraterno e estes do amor voluntário a Deus. Estas distinções tanto nos ajudam como dificultam a entender este sentimento tão desejado, mas também temido porque ao mesmo tempo que é um componente tão decisivo para a nossa felicidade, também é uma parte difícil de nossas experiências. No fundo, como um sentimento, é nobre, o maior entre todos os outros, e que sem ele não há chance de uma vida plena; basta pensar nos casos de crianças órfãs ou abandonadas e nos meninos de rua: se as condições materiais de uma família se encontram abaixo do mínimo aceitável de existência, não há mais espaço para o amor como fator de união e segurança; a família carece da coluna que sustenta a confiança e previne-a de perigos, garantindo tranquilidade de espírito para o seu bem-estar.

Com relação ao amor erótico, este é o mais complicado e fornecedor de equívocos por ser exclusivo e estar centrado em nós mesmos, na nossa necessidade de fundir-nos com o outro intimamente. Este aspecto do amor se confunde com a fase mágica da paixão, movida pela atração física, pela energia da libido que nos empurra até o outro para formar uma nova união. Está poeticamente mencionada no Velho Testamento:

„Eu sou para o meu amado
o objeto de seus desejos.
Vem, meu bem amado,
saiamos ao campo,
passemos a noite nos pomares;
pela manhã iremos às vinhas,
para ver se a vinha lançou rebentos,
se as suas flores se abrem,
se as romãzeiras estão em flor.
Ali te darei minhas carícias.
As mandrágoras exalam o seu perfume;
temos à nossa porta frutos excelentes.
novos e velhos
que guardarei para ti meu bem-amado.“
(Cântico dos Cânticos, 7,11-14)

O Novo Testamento não cita o amor erótico, mas sim o amor a Deus e o fraternal que é uma forma de amor universal e está centrado no outro, no coração e na benevolência „Amar ao próximo como a si mesmo“ é a prova do êxito social do cristianismo e do seu caráter revolucionário, pois até então o perdão era tido como uma prática da bondade de Deus aos homens e não como uma determinação moral do homem – o homem perdoa ao seu semelhante e com isso assume uma posição de liberdade – pois perdoar também significa soltar, liberar – o que não deixa de ser um componente do amor.

O que torna o amor erótico mais enganador é o seu caráter de imediatez que faz romper a distância entre os dois através da consumação do desejo no contato sexual, como se este – não importando o que o estimula – fosse suficiente para unir profundamente duas pessoas. Aí está o equívoco de crer que se há atração sexual, ela é responsável para garantir o amor e fazer durar o relacionamento. Para sempre? O que não se vê é que a sexualidade e o amor, apesar de poderem conviver juntos, são duas coisas distintas. Aquela pode ser vivida sem amor, e este pode ser expresso ou desenvolvido sem aquela. Homens, melhor que mulheres, usufruem desta dualidade de forma confortável sem se sentirem culpados; muitas mulheres, pelo contrário, ainda não admitem viver sua sexualidade sem amor, o que é um equívoco, mas também não deixa de ser equivocada a grande importância que se dá a ela, sem vê-la apenas como uma parte de nós, mesmo podendo ser ela até mais dominante que o amor.

Todos nós queremos o amor, e já fomos exortados a amar desde a idade infantil – a Deus, à Virgem, aos irmãos, aos avós, e assim ia. Hoje somos exortados a seguir os apelos da publicidade, da internet e sobretudo dos especialistas do assunto que nos prometem encontrar o amor ideal e eterno, bastando para isso seguir seus mandamentos, esquecendo, porém, que as duas pessoas têm a sua própria história, e esta é a que, na maioria das vezes, determina o potencial e a capacidade de amar de cada uma. A figura de um coração que palpita, duas mãos dadas, rosas vermelhas, todos estes símbolos invocam o amor, mas no fundo sabemos que não é fácil amar, talvez por estarmos centrados em outras necessidades, deixamos de consultar o nosso próprio coração. E aqui reside outra equivocação em querer experimentar o amor: ele passa a se centrar mais no ser amado por alguém do que no amar este alguém; tirando do amor o caráter de poder ser produtivo e causar mudanças. Erich Fromm já falou sobre isso no seu famoso livro „A arte de amar“ ao deixar claro que o amor „é uma capacidade de um caráter maduro e produtivo“, mas não abstraindo disto a parte de influência que uma cultura (seja ela qual for) tem sobre o caráter de um indivíduo, e enfatiza a estrutura da cultura ocidental e o espírito que dela resulta como incapazes de desenvolver o amor. Fromm escreveu isto nos anos 50 e o modelo capitalista abundava nos Estados Unidos do pós-guerra. Não é que ele via neste sistema um impedimento ao amor – sabia muito bem que „o capitalismo moderno precisa de homens que se sintam livres e independentes“, mas que, ao mesmo tempo e paradoxalmente”estejam dispostos a ser manejados e a fazer o que se espera deles“ – mas bem Fromm tinha uma fé na capacidade do homem em fazer possível o amor como um fenômeno social; neste ponto ele se diferenciava fundamentalmente de Freud que entendia o amor como basicamente sexual, incluindo até o amor fraterno como um resultado dele, onde o instinto sexual, porém é transformado num „impulso inibido“. Assim Freud não dava ao amor um atributo racional, nem via nele o resultado maduro de um processo consciente.

E no entanto o “grande amor” continua a ser ansiado e esperado – aquele, alimentado por palavras ou por momentos felizes, aquele que é mais bonito quando escrito ou encenado nos filmes e nas telenovelas, cuja beleza é mais um produto de um conto que vive na ânsia de ser realizado, e assim passamos a querer esses amores por serem mais belos que reais, mas que por outro lado nos enchem de esperança: a de não estar mais só e poder compartir a vida com o outro. Por ele ou em seu nome tudo é possível entre a vida e a morte: abandona-se a família, contraí-se dívidas, sofre-se maus-tratos, morre-se e até mata-se o objeto do amor – o ser amado. O amor como fator de sofrimento antes era encarado por muitos como fazendo parte do grande sofrimento da humanidade; hoje esse padecimento ou tortura levaram ciências como a psicologia e a sociologia a procurar as raízes desses martírios até tentar eliminá-las.

Até em sociedades avançadas da Europa, para muitas mulheres uma prova de amor ainda seria ganhar num dia não especial um buquê de rosas vermelhas ou um jantar especialmente preparado pelo amado e ainda ouvir à luz de velas um “eu te amo”. Para outras mulheres as flores também fazem esquecer os maus-tratos e até mesmo atos violentos do parceiro, levando-lhes à submissão: “ele me bateu ontem, mas hoje me trouxe rosas; no fundo ele me ama.” São estas formas simbólicas já consagradas de provar o amor o que ainda o define? Claro que não. Detrás delas está a necessidade premente de experimentá-lo como um direito natural que se deve ter na vida, igual a gozar de saúde ou ter uma família e uma moradia; e assim justificam-se as cobranças que se faz do amor. Contudo homens são diferentes e têm na cabeça outros pensamentos como a intolerável e irritante pergunta: „O que ela quer mais, se faço tudo por ela?“, exprimindo mais um ajuste de contas indiferente, do que a expontânea expressão de um tão esperado: „Te amo“. Por que é tão importante repetir esta frase? Mulheres a necessitam mais ouvi-la porque homens se sentem menos masculinos ao pronunciá-la? Os filmes típicos americanos de amor me irritam quando abusam dela como uma elocução gratuita adornando um cenário fantasioso, mas que me fascina quando tirada da realidade, mesmo sendo pronunciada dentro de um cenário fictício.

Os símbolos que se referem ao amor se dividem entre mulheres e homens; esta separação leva mais a perpetuar os clichês em torno do amor e só nos separam excluindo do „sexo forte“ até a capacidade de amar por não se ver esta representada através de formas usuais e repetidas nos cartões de felicitações e na publicidade como um coração, a mãe e seus filhos ou o ato de amamentar, símbolos sumamente femininos. Por que não se vê representado o amor paterno ou o amor masculino sem precisar estar envolto de   virilidade?

Por mais que o papel do segundo sexo hoje assuma mais responsabilidade dentro da família, do trabalho, etc., ainda esperam mulheres a sua salvação pelo lado do amor, como sendo este uma garantia para durar toda a vida ou „até que a morte os separe“. No entanto, quem ainda acredita que o amor se conserva inalterado para sempre? Esta estagnação não pertence ao amor, mas sim atividade para desenvolver-se. Casais que permanecem juntos até o fim de suas vidas, não justifica isto a idéia de que foi por conta do amor fazer possível esta união até a morte. Outros fatores mantêm uma relação, fazendo-a conservar-se, mesmo estando esta submetida à dominação ou ao sacrifício. Como também há muitas outras coisas que unem um casal, sendo muito mais reais e viáveis do que a perseguição de uma velha aspiração, de um sonho, ou seja, de um ideal.

Quando homens me esclarecem o mundo

É a minha tradução (só) do título do ensaio e livro de Rebecca Solnit, cujo original em inglês é Men Explain Things to Me. Já me referi a ele no meu último post “A Susceptibilidade de Escreva Lola Escreva” de forma apenas a introduzir meu texto sem aprofundar-me no seu conteúdo. Agora quero expor o que me parece este seu ensaio publicado em 2008. Ele foi inspirado por uma experiência vivida seis anos antes pela própria autora numa festa em companhia de uma amiga, quando o anfitrião, com ar arrogante, tentou esclarecer-lhe sobre um livro recém- publicado sem ter querido dar-se conta de que ela era a autora do livro em questão. Um sinal de que não tinha querido ouvi-la dizer que o tal livro era seu, e  assim presunçoso continuou palavreando até que, após várias incursões da amiga em tentar dizer-lhe que era o livro dela, deu-se conta em fim onde tinha se metido. Depois de saírem e já a uma certa distância, as duas amigas riram aliviadas do sucedido – como não rir do ridículo? O riso é uma reação que pode nos dar distância dos fatos e ajudar-nos a relaxar frente a situações que no momento não teríamos outra saída; rir como reação à prepotência ou como uma liberação. E Rebecca Solnit ainda ri deste fato, e sem ter rido de antemão, talvez não tivesse escrito um ensaio com tanta agudeza. Primeiramente foi publicado na Website de Tom Engelhardt – TomDispatch – com grande recepção: foi como beslicar uma corda de violão, disse, ou tocar numa ferida aberta; pois ela nunca tinha recebido antes tanta repercussão com um ensaio como com este . Mas por que um só ensaio, e além do mais curto, chegou a causar tanto impacto, não só entre mulheres, como entre homens também? Nós mulheres conhecemos muito bem o que significa o título deste ensaio em situações ou momentos onde sobretudo homens se impõem como donos da verdade em favor de sua pretensa sapiência ou conhecimento das coisas para poder estar no centro das atenções. São esses discursos soberbos carregados de explicações, definições, … por onde se deixam aparecer, muitas vezes só insinuando saber sobre isso e aquilo, mas que nos levam a calar como se fôssemos impedidas de abrir a boca – nem sempre por meios de imperativos, mas por reserva nos excluímos – confirmando uma insegurança ou o medo de sermos ouvidas. Rebecca Solnit fala do quanto é brutal fazer com que  mulheres se calem: „Eu sei do que estou falando.“ Uma frase agressiva como esta, e pelo seu conteúdo já podemos imaginar sem dificuldade como ela foi pronunciada – aos gritos – uma frase categórica de homens e sinônima de: „Você não sabe de nada“. Por que só ele sabe sobre o que fala, e ela não? A vivência deste fato brutal, não importando o contexto, se relacionado a uma discussão ou a uma simples conversa, perpetua nela o ódio e interrompe-lhe a claridade de pensar. Com esta tamanha tirania está explicado então porque mulheres não ousam ser ouvidas, e chegando esse silêncio a situações extremas, mostra até aonde vai a relação de poder entre os sexos existente na sociedade. Solnit não descreve o patriarcalismo como nascente do machismo para justificar este  comportamento específico, fala porém da hierarquia entre os dois gêneros como fundamento básico da sociedade, e enfoca bem sim essa habilidade secular que têm homens de fazer calar mulheres e de se fazerem escutados por elas. Será que são mesmo escutados como creem? (Podem continuar acreditando queridos!)
Nascida na Califórnia em 1961, Rebecca Solnit é dona de uma notável carreira intelectual, já tendo escrito mais de doze livros ligados a diversos temas desde política, história da cultura, arte, feminismo até meio ambiente, e embora estando seus livros fundamentados sobre uma pesquisa sólida, mesmo assim não passa a escritora incólume a situações como a experiência do início com o sr. importante, por ela assim batizado. Esta e outras são experiências que põem em questão suas certezas e podem avivar-lhe velhas inseguranças – experiências nada gratuitas como encontrar-se na presença do sr. importante que revestido de confiança na sua atuação, e também confiante que ela se deixará vacilar e intimidar-se frente à certeza dele. É com essa lealdade e coragem que fala de si mesma e lembra o que dia a dia enfrentam mulheres quando são expostas a situações sem terem o direito de exercer sua expressão, sendo esta o que lhes dá o direito de ser alguém.  Já fui muitas vezes testemunha de casos como este, e quem não foi? Homens também a mim já explicaram e querem explicar o mundo e o significado das coisas como se eu fosse uma colegial preguiçosa e desinteressada, e muito pior até, sem levarem em conta se eu conheço ou não o assunto sobre o que eles estão falando, ou se tenho ou não uma bagagem de conhecimento ou experiência de vida. Homens que não dão importância a esses pré-requisitos não querem ouvir, mas serem ouvidos e admirados – E como é irritante ter que ouvir um discurso sem fim!
Até hoje homens seguem esclarecendo o mundo a Rebecca Solnit, sem que nunca tenham lhe pedido desculpas por isso, ou por terem explicado errado, ou mesmo pelo fato de ela saber e eles não.
E mulheres por outro lado também não gostam de dar explicações, sobretudo a outras mulheres, muitas vezes sobre insignificâncias e até de forma desdenhosa como se fossem expertas no assunto? Sim, existem tais, como também em grande número e Rebecca Solnit não nega a existência delas, mas não que esse aspecto loquaz e maçante seja uma marca que especifique o gênero feminino; ao contrário uma atrevida exibição de confiança até na própria ignorância é para ela uma característica masculina – escondendo insegurança e imprestabilidade.
No meio político vemos com mais nitidez a inundação de discursos daqueles que sabem de tudo, e sabemos o como é difícil e fatigante para mulheres, as jovens principalmente, sobrepor-se e serem ouvidas com respeito até por seus colegas de partido. Solnit cita o caso de Coleen Rowley, uma agente do FBI durante a presidência de Bush, que não foi ouvida ao ter chamado com antecedência a atenção para o Al-Qaida. Não quiseram escutá-la, e isto é o mesmo que dizer: só escutaram o que estava conforme a seus conceitos. O fato de que a guerra foi resultado de um jogo  arrogante masculino, também leva-lhe a afirmar que há outras guerras, aquelas vividas no interior de quase todas as mulheres, por terem a convicção de poder ser dispensadas e atraídas a se calarem. Por que não devo me expor a falar sobre coisas que sei expor sabendo que tenho esse direito? E mesmo com uma certa insegurança sobre algo, isto pode ser útil e abrir caminho para corrigir-se: ouvindo, aprendendo e crescendo, mas quando essa insegurança é grande demais, pode conduzir a mudez e paralisações, do mesmo modo que uma excessiva autoconfiança pode demonstrar pura arrogância. Entretanto há um caminho entre esses dois pólos – diz Rebecca Solnit – onde os dois sexos podem conviver: a calorosa região do dar e do receber onde todos nós devemos nos encontrar. Uma metáfora nada proporcional à realidade da maioria dos diálogos entre homens e mulheres, mas otimista.
Se muitas mulheres, infelizmente, não ousam ser ouvidas, esconde-se por trás deste fato o quanto é importante ter credibilidade e até como um pré-requisito para sobreviver. Solnit escreve no seu ensaio que num Natal quando era muito jovem, e já tinha começado a entender o que era o feminismo e a sua importância, o tio de um amigo contou, como se fosse uma estória inventada, que a mulher de seu vizinho a altas horas da noite saiu despida de casa correndo e gritando que seu marido queria matá-la. Sem pestanejar acreditei na declaração da mulher, mas ao seguir lendo, defrontei-me com a pergunta da própria Solnit ao tal tio: Como o senhor sabia que isso não estava certo?  A explicação foi que o marido se tratava de um cidadão honrado e respeitado e que a acusação meu marido quer me matar não continha em si fator de credibilidade para que fosse tomada como verdade, embora ela tenha gritado na rua isso; mas que fosse uma louca, pelo contrário, foi levado a sério.
Em certos países do Oriente Próximo a falta de credibilidade às mulheres é comprovada em casos de violação sexual, nos quais a acusação da mulher não tem peso na justiça, a não ser que ela tenha um homem como testemunha, e que este queira confirmar sua acusação, o que só raramente acontece.  E Rebecca Solnit vai mais além destes fatos; ela que começou o ensaio por um incidente, foi mais adentro chegando a mencionar estupro e morte, o que para ela pode ser uma coisa de continuidade – um mal-entendido pode passar, de sua forma normal, ao abuso, à violência, intimidando mulheres a se calarem ou até as matando. É assustador ver o número de mulheres (incluindo meninas pequenas) reprimidas, abusadas, violentadas e mortas em quase todo o planeta – mulheres que são seres humanos e com direito à vida e a participar dela como um ser livre. Que este direito porém, deva ser conquistado, é uma luta, uma luta longa e amarga.
A ensaísta sabe disso e acha que a melhor maneira de compreender todas as formas de discriminação contra mulheres é dando-lhes uma expressão concisa, como abuso de poder, em vez de considerar em separado violência doméstica, assédio, estupro, etc., etc. e até morte: Tomando tudo junto, põe-se à luz o padrão de comportamento, evidenciando clareza e concisão.
Rebecca Solnit não se queixa de si mesma, está satisfeita com o seu próprio crescimento e desempenho e com ter encontrado na idade adulta a sua expressão. E como ela diz:
o direito de mostrar-se e de expressar-se é inevitável para a sobrevivência, para a dignidade e a liberdade. As circunstâncias me obrigaram a usar o direito de falar por aquelas que não têm voz.

 

(Próximo post: 19/4/2017)