É típico de homem…, é típico de mulher…

 

PRÉ-TEXTO:

Quando estava escrevendo este texto, fui surpreendida pela notícia do assassinato de Mariella Franco. Desde então não me senti mais à vontade para continuar a escrever; achava que meu texto nem de longe chegava a tocar na cruel realidade deste momento, em que agora nos encontramos. Após vacilar muito, decidi terminá-lo como uma dedicatória a Marielle Franco, pois sei que se ela o lesse, iria me dar razão: A Mariella Franco.

 

 

Será mesmo a ambição que nos separa? Mulheres não têm, nas mesmas medidas que os homens, um alto grau de ambição – a qual lhes garantiriam obter mais êxito profissional – porque elas reservam uma grande parte de suas energias para a família e as relações pessoais. Pelo menos é o que quis dizer Lawrence Summers em 2005, então na época presidente da renomada Universidade Haward nos Estados Unidos, e citado por Natasha Walter no seu livro Living Dolls – The Return of Sexism, 2010 (Muñecas Vivientes, em espanhol), ao ser perguntado por que só poucas mulheres chegam a ensinar matérias científicas e tecnológicas nas faculdades da tal universidade. Os argumentos de Lawrence Summers desencadearam discussões entre os que o defendiam, julgando-o como homem letrado e capaz intelectual americano, e outros, sobretudo mulheres – também renomadas professoras universitárias – que relegavam seus argumentos a um nível de absurdo. Contudo para Summers – antes de se ter desculpado mais tarde de seus próprios absurdos – mulheres não se sairiam bem, em comparação com homens, em profissões, cujos encargos recebem alto grau de tensão no ambiente de trabalho, porque elas, por natureza, não deixariam de enxergar o mundo através dos óculos da família e dos relacionamentos, e por isso não seriam dadas às tarefas científicas. É muita presunção, acho, estabelecer diferenças inatas de capacidade reduzindo as mulheres a uma esfera limitada no campo profissional e da produção científica, ao fortificar a tese de que elas não mostram ambição suficiente, ou seja, a ambição necessária para que pudessem brilhar em suas carreiras como cientistas ou pensadoras, porquanto lhes faltam um certo talento para as tarefas que exigem esforço físico ou mental excessivos. Esta forma de pensar e crer não é nada nova e está longe de ser um tabu – é corriqueira, é o que leva a maioria das pessoas a falar assim, é o clichê da insuficiência e da incapacidade, no qual mulheres não resolvem facilmente questões que requerem lógica, mecanismo e precisão: isso é trabalho de homem, se diz, e faz-nos evitar tais atividades crendo mesmo que não somos capazes. A prova disto se vê na menor presença de mulheres nos cursos de mecânica, física, astronomia e outros que exigem grande abstração ou até mesmo em outros ofícios: existem mulheres como encanadoras, eletricistas, carpinteiras, por exemplo? Claro, mas muito poucas, e as que existem enfrentam-se no desenrolar de seus trabalhos, tanto quanto com pessoas que se surpreendem ao vê-las ali, em vez de homens, como com reações de desconfiança – eu mesma me surpreendi uma vez dentro de um avião quando quem se apresentou como comandante da aeronave foi uma mulher; e não fui a única, pois também ouvi de algumas pessoas reações de surpresa, como oh!, quê?! e suspiros suspeitos. Claro que não me assustei pelo fato de ser transportada nas alturas de um país a outro por uma mulher, mas fiquei pensativa porque fui pega desprevenida, o que após a surpresa, me senti orgulhosa.

Acreditar que nós mulheres não nascemos para executar profissões ou funções ditas como masculinas não é mais do que admitir velhas teorias engendradas num determinismo biológico que trata de considerar, entre outros, o fator da diferença entre os sexos para estabelecer poder político, domínio e oprimir os „naturalmente mal favorecidos“. Mas apesar de já se ter feito muito contra ele, ainda persistem controvérsias dentro das áreas de investigação científica, da política e dos mercados de trabalho, gerando discriminações e fazendo prevalecer os estereótipos que subestimam a nossa capacidade. Estes então, nos absorvem – também homens e mulheres jovens – eles nos estão inculcados sem que muitas vezes possamos fazer nada contra, e assim nos influenciam a fazer uma escolha ou um julgamento que podia ser bem mais justo sem eles. Um exemplo para isto é o que Iris Bohnet, também professora da Universidade Haward, diz significar „ser uma boa mulher“. No contexto brasileiro o adjetivo „boa“ relacionado à mulher está carregado de conotações negativas quando ele vem posto depois do substantivo, o que logo se constata na linguagem machista sendo aquela que é atrativa e com dotes para o sexo. Já uma boa mulher ou, realmente uma boa mulher, diz Bohnet, é aquela que não deve ser agressiva, e mais: deve ser cooperativa, passiva e social para ser querida. Por outro lado, se um homem assume a função de „tio“ num jardim de infância ou numa creche pode causar irritações, porque não esperamos que homens tenham tais qualidades femininas. Numa entrevista a uma jornalista alemã (*) por ocasião de seu livro „What Works“, 2016, Iris Bohnet falou de quanto os clichês podem influenciar nos processos seletivos de obtenção de empregos. Candidatos em geral a postos de trabalho se esforçam para impressionar bem seus recrutadores com seus curriculae vitae e cartas de apresentação, e não supõem que os pré-requisitos de seleção estão elaborados a apontar aqueles que condizem com seus moldes, o que para Bohnet esses mesmos pré-requisitos impostos não garantem aos empregadores encontrar os melhores candidatos, mas aqueles que correspondam a um modelo já feito – ela joga futebol, deve ser uma lésbica; ele joga xadrez, então é inteligente; ela tem um sotaque nordestino, deve ser uma caipira; e assim vai, parecendo até simplório à primeira vista, mas não é. Ao meu ver, esses exemplos e outros mais, quando são usados como critérios, desfavorecem a seleção tanto para o lado dos recrutadores como para o lado dos candidatos. Os solicitantes não se sentem seguros em mostrar interesses próprios, os quais, supõem, não se adequariam aos protótipos das empresas, e estas por sua vez, podem perder aqueles candidatos pendentes de serem bons funcionários. Estereótipos assim também existem nas ditas sociedades econômica e socialmente avançadas e naquelas, onde princípios patriarcais e retrógrados são dominantes, não é de se esperar que mudanças cheguem com rapidez.

Vivemos numa era, na qual os dados de informação ganharam muito peso, e com eles a necessidade de serem armazenados, processados, administrados, e manipulados ou não, são utilizados nas empresas e noutros setores para ajudar, entre outros fatores, no crescimento da produtividade, na escolha de clientes, no incremento do êxito, na redução dos custos, etc. e tudo isto num tempo razoável. Contudo quando se trata do papel humano, „parece que estamos há 50 anos atrás e caímos constantemente nos mesmos padrões de julgamento“, disse Iris Bohnet e alertou para um futuro não tão longe, no qual um software seria responsável pelos processos seletivos nas empresas e livres dos prejuízos que já discriminam a priori; computadores seriam capazes de fazer o trabalho sozinhos, não sendo mais necessárias as entrevistas – uma revolução – mas por enquanto ela defende mais neutralidade nas solicitações de emprego: sem nomes, sem fotos, sem idades, sem sexo, algo ofuscado, e também para minimizar aqueles critérios de simpatia ou de antipatia, ou mesmo de interesses comuns que comumente nascem no decorrer de entrevistas e que funcionam muitas vezes até como poder de decisão, mas que são, por outro lado, insuficientes para assegurar que a candidata ou o candidato escolhido seja o melhor para exercer o trabalho. No momento das entrevistas é importante que se faça as mesmas perguntas aos candidatos visando uma objetividade, disse Bohnet e menciona o exemplo dos anos 70 de algumas das orquestras sinfônicas americanas que puseram em prática um método para a seleção de novos músicos: os candidatos tocavam atrás de uma cortina sem que o maestro pudesse vê-los. A coisa é descarregar o mais possível os procedimentos seletivos de preconceitos e interesses já visados, e conceder uma igualdade de chances a aqueles que por tais vias não obteriam jamais um posto de trabalho.

(*) In Stern, 19/1/17.

Próximo post: 30/4/2018