MULHERES NÃO NASCERAM PARA SEREM SUBJUGADAS

 

Una mujer nunca está mejor sola – Quantas mães já não afirmaram isto às filhas como verdade absoluta? São poucas as que não o fizeram – sem incluir a minha que me deixava acreditar nisso por longo tempo como um fato comprovado. Só que a frase não é um fato. Ela é uma invenção carregada de patriarcalismo, dando ao homem o poder sobre a mulher no seu papel de marido, pai de seus filhos e provedor do lar; repetida pelas gerações, e mesmo com o avanço dos debates feministas, ela ainda é crida por mulheres de diversas classes sociais, culturas, religiões, nacionalidades, formação escolar e idades.

Que nunca o melhor para uma mulher é que ela esteja sozinha (em português) diz uma mãe às duas filhas para atingir àquela que no casamento sofre de violência doméstica num filme espanhol da cineasta Iciar Bollaín de 2003, cujo título Te doy mis ojos – não entendido por mim até ver o filme todo – refere-se a uma cena sexual de intensa entrega entre o casal, onde num diálogo íntimo ela dá ao marido partes de seu corpo que ele deseja: Ele: Quero teu braço. Ela: Te dou meu braço. Ele: Quero teus olhos. Ela: Te dou meus olhos. E assim vai ela cedendo seu corpo, vivendo o ato com profunda emoção, sentindo-se completa com aquele, com quem ela encontra fusão. O momento é sagrado, é metafísico. Isto e a esperança de que esse homem, esse tudo (1) a faça feliz, se desencanta quando ele volta a espancá-la, e ela, por fim, compreende que a vida a dois não é só na cama, e separa-se dele.

A violência contra a mulher é multilateral, também atinge os filhos e outros membros da família, mesmo que eles não sejam tocados. O atual ou o ex, o importante é que haja um relacionamento em vigor, ou que este está por se acabar, ou já acabou, e o local das investidas é comumente em casa, sem negar outros possíveis. Por conta da pandemia, o consequente confinamento em casa contudo, não é a causa da violência de homens já propensos, bem sim a causa de seu aumento, pois os casais permanecem mais tempo juntos que o necessário – perder a rotina é perder sua estrutura. O uso excessivo de bebidas alcoólicas para aguentar a quarentena, ou qualquer outra coisa podem levar a situações inflamáveis, como diferenças de opinião e, sobretudo, os medos: de perder o emprego, a autonomia, ou arruinar-se – condições que ferem bastante a masculinidade e canalizam-se contra os entes próximos mais vulneráveis. A situação tem piorado em todo o mundo; as estatísticas são tão alarmantes, que se um país como o Brasil pudesse trocar seus índices de violência e feminicídio contra a mulher com o índice de diminuição da pobreza, teríamos alcançado uma posição exemplar no mundo, pois o Brasil ocupa o quinto lugar, no ranking mundial de violência contra a mulher. Se podemos afirmar, segundo dados oficiais de 2019, que uma mulher é assassinada a cada duas horas, imaginemos quantas não são espancadas em duas horas?

Contudo não só de pancadarias vive a violência doméstica, ainda assim muitas mulheres creem que não são vítimas dela, por não serem espancadas; elas não levam em conta que as humilhações, intimidações, ameaças, trabalhos domésticos excessivos e não reconhecidos, que lhes roubam tempo livre também são formas de violência em casa – a violência física só é uma dos cinco tipos descritas pela lei Maria da Penha. Elas também acreditam que quando suas necessidades não são atendidas, são culpadas disso, sentem-se inferiores e não se acham à altura de ser a mulher, a mãe, ou a amante. Daí vem o esforço de querer agradar e ser merecida custe o que custe, deixando-se levar por mentiras, fazendo acordos, para elas, desfavoráveis, perdendo amigos e oportunidades de trabalho. Mulheres que escutam a miúdo: Você é fraca e burra, você é louca e tem a cabeça oca, ou, lá vem você de novo com depressão, sua doente. Só com muito esforço e devida ajuda sairão dessa, e após terem passado por isso afirmarão com certeza: Eu me sentia mesmo burra; eu estava cega; como pude passar tudo aquilo? As histórias dessas mulheres têm que ver umas com as outras, há padrões repetidos, sintomas que sempre aparecem. Por que mulheres não se separam facilmente desse tipo de homens? Superficialmente olhando, parece até que elas se acomodaram a essa sorte – mas não é assim. A autoestima da mulher, claro, se reduz consideravelmente se ela recebe por muito tempo humilhações moral e psicológica do parceiro – mesmo que ela não tenha passado isso antes. A capacidade, porém, de com suas próprias forças restaurar sua autoestima e criar mudanças na sua vida, é sua via crucis e uma das causas mais difíceis que lhe impede de liberar-se.

No vídeo – Conectar Fortalece – (2) diz uma mulher, que conhece os horrores do lar: O mais complicado, eu acredito que é entender as opressões que a gente sofre por ser mulher. A violência contra a mulher é estritamente violência de gênero, onde os arraigados papéis marcados pelo sexo biológico foram construídos para gerar desigualdades entre homens e mulheres, estabelecendo autoridade e domínio, criando poderes. Dessa separação saiu o silêncio, não só o do jugo, mas o de seres que não só sabem se comunicar, como não sabem o que dizer. O que é gritado e esbravejado nas brigas, nas disputas pela razão, no fundo é sempre o mesmo – o discurso repetitivo dele e dela; o que leva, porém, a extrapolar o quadro é a voz mais alta – que faz estremecer; é a mão ou o pé mais pesados – que faz doer e sangrar. Mulheres que não se deixam amedrontar, partem para a confrontação; é a guerra, e aqui o vencedor é o mais forte fisicamente – a solução? Claro que não. A melhor solução muitas vezes não está disponível, por mais que se tenha os números de emergência180 e 100, e que os vizinhos possam ajudar chamando a polícia, e que já haja algumas poucas casas, abrigos temporários para as mulheres fugitivas de seus algozes. A violência contra a mulher, seja qual for a sua cara: física, psíquica, moral, sexual e patrimonial (Lei 1340/06) tem a mesma base: o pensamento, ou a idéia – que é uma representação mental figurativa – profundamente enraizados na cabeça masculina de que as mulheres são seres inferiores em relação a eles, e que por meio dessa noção eles se orientam e agem. Daí eles tiram o fictício „direito“ de maltratarem e até matarem mulheres e meninas.

É sabido que toda forma de agressão e violência contra as mulheres são formas de defender o machismo. Machos que chegam a tanto, além de serem aptos para o mal, têm suas fraquezas, carregam por muito tempo um desequilíbrio emocional que lhes forçam a construir uma fachada. Não são poucos os espantos e a surpresa de pessoas conhecidas por quase não acreditarem que „o tal“ no fundo tinha um potencial de violência: Mas ele parecia tão simpático e amável! Nunca pude imaginar que ele fosse assim – é que o cara tem muitas caras, e ainda há aqueles que espancam suas mulheres e ainda têm a petulância de as levarem para o hospital.

Por que o Estado não pode proteger melhor suas mulheres? Já se faz algo, mas ainda não o suficiente para erradicar o problema. Todo esforço é louvável desde que este se concentre nas causas e dê prioridade as mulheres de se livrarem de seus agressores, protegendo-as – o afastamento é imprescindível – pois não é uma terapia que vai acabar com os maus-tratos deles. Muitos homens se submetem a um tratamento psicológico, ou por imposição da justiça, ou para dividirem sua culpa com as parceiras, alegando que se há problemas na relação, estes também são por culpa delas – é a necessidade desses homens de permanecerem como são por não terem outras alternativas.

E no Brasil? O problema é assustador pelos elevados índices de ocorrência, o que nos põe numa posição degradante frente a outros países. Pergunto-me o que a ministra Damares Alves, responsável por assuntos da mulher e da família, vai fazer para melhorar as condições das meninas – ela não incluiu a condição das mulheres vítimas de violências na 63. Sessão da Comissão sobre o Estatuto da Mulher na ONU:

„Num relatório de 2016 aponta que o Brasil é o pior país
do mundo para se criar meninas, e isto nos entristece.
Nós vamos virar este quadro, estamos buscando inú-
meras alternativas de proteção das meninas.
Nós vamos voltar aqui, nesta comissão pra dizer que
nós somos uma das melhores nações pra ser mulher.“
(3)

Já estou aguardando Damares Alves.


(1) Refiro-me à letra Essa Mulher da compositora Joyce.

(2) A web Revista AZMina: Penhas: Criando Conexões Contra A Violência.

(3) Palavras de Damares Alves na sede da ONU em 12.3.19

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