Meus cafés! Meus lugares preferidos de retiro intelectual, deixei de diariamente frequentá-los há três semanas, onde neles me sentava com uma xícara grande de café com leite, um livro, um caderno, um bloquinho de anotações – este está sempre comigo – e várias folhas soltas de papel anotadas, frases ainda não acabadas de pensamentos para revisar.
A Covid-19 me encerrou em casa – só saio para as pequenas necessidades e um passeio num parque perto de casa, se faz sol. Na Europa estamos apenas saindo de um inverno instalado desde dezembro; sem neve; sem quase temperaturas negativas, mas mesmo assim frio e de chuvas. Um inverno diferente dos que conheço desde que vivo no velho continente, e um inverno que desembocou numa pandemia – a dita Coronavírus – quando ele estava prestes a terminar, já cobrando a força da luz da primavera. A pandemia chegou quando já estávamos esgotados desse inverno chato e longo; ela apareceu num cenário que prometia logo mudar – só coisa de semanas – começando a esverdear-se e abrindo a oportunidade de que já começássemos a observar as plantas, os arbustos e a ver a terra salpicada aqui e acolá de flores miúdas e coloridas. Eu gosto de olhar, nos arbustos e nos galhos baixos das árvores, os rebentos, brotos minúsculos – mas que fortes são! – ainda fechadinhos, guardando aquilo que vai explodir na beleza de um sem números de folhas novas e brilhantes. Às vezes penso que devíamos aplaudir a natureza como agradecimento pela alegria que nos dá, e até como ato de contrição pela maldade que fazemos a ela.
Tudo isso está pra chegar, e está por precauções restringido o seu convívio. Os parques e jardins não podem se encher demais, as pessoas não podem sentar na relva em círculos – a distância de no mínimo um metro entre elas é inevitável. Será que em breve deixarei de assistir a tudo isso? Perderei as primeiras quenturas do sol das manhãs de primavera na calçada de um dos meus cafés prediletos? Ele agora está fechado, suas mesas da calçada atadas umas as outras – até elas aderiram à clausura, preservando-se do contato com os humanos.
Não estou nem nostálgica, nem „em busca do tempo perdido“ – nem o tempo está perdido para mim – no presente estou reservada e seca, aguardando o que não sei. Todos nós esperamos o que não sabemos – vai haver mesmo uma mudança pra pior como dizem os analistas políticos? Não queremos crer nisso, evitamos tais esclarecimentos, nos desviamos das distopias – que com certeza virão – como expressou Greta Thunberg em 2018: „Quero que vocês entrem em pânico“, referindo-se, claro, às mudanças climáticas. Estas aparentemente não têm que ver com a Covid-19, mas este tem que ver com exacerbações de medidas políticas, com irresponsabilidades de governantes, as quais também causam as mudanças drásticas no clima – não podemos estar tão apáticos a ponto de não levantarmos conjeturas e questionarmos de onde mesmo esse vírus se originou, embora não tenhamos respostas.
Quando da minha janela vejo de vez em quando adultos e crianças, – às vezes um cachorro os acompanha – tenho a impressão de que tudo está normal e pergunto-me se isso não passa de exagero; mas não está normal quando vejo alguém de máscara num supermercado e a lentidão dos caixas: PREZADOS CLIENTES MANTENHAM, POR FAVOR, AS DISTÂNCIAS MARCADAS NO CHÃO NAS FILAS DAS CAIXAS. Aí entro na realidade e sinto que estou suspensa no tempo, que um elevador me levou a um andar superior, sem que eu ainda não saiba quando ele me trará de volta à normalidade – como também à normalidade dos meus cafés. É que em casa a pandemia me chega pela mídia de forma virtual, por estatísticas de infectados e mortos pelo vírus, cenas muito rápidas de hospitais inundados de gente, médicos e enfermeiros esgotados. Mesmo com todo esse desconcerto não me deixo levar pela melancolia e afastar-me das coisas, estou até mais afiada, procuro concentrar-me naquilo que me interessa, mas não loucamente dar conta de tudo só porque estou mais tempo em casa. Não. Estou em passo de valsa procurando me harmonizar com as imposições impostas; não estou atrás das grades, mas até usufruo de minha semi-cadeia.
Assisti recentemente ao Pepe Escobar entrevistado por Leonardo Atuch no 247. Respeito muito suas análises géo-políticas, mas ele também flutua nas opiniões sobre a crise do coronavírus, ele não é o dono da verdade. A verdade nos chegará? O que está implícito aqui é quem tem a culpa e por quê, e não justificativas e explicações que se dizem verdadeiras: Tudo começou na China – mas será mesmo, ou o vírus foi levado pra lá? O vírus escapou de um laboratório americano, o Fort Detrick, que agora se encontra fechado, e foi levado pra China, e para isto existem explicações – mas, não há provas contundentes. E o que mais me irrita: por que o isolamento de todos, e não só daqueles mais susceptíveis é defendido como certo? E quanto às medidas de providência à população: de repente, em duas semanas de pandemia, certos governos liberaram trilhões em dinheiro, tornaram-se bondosos, prestativos e mandaram a uma grande parte da população ficar em casa; de repente apareceram reservas financeiras, intenções de dar créditos e criar dívidas – são partes do PIB anual à disposição – mas como restituir esse saco de dinheiro aos cofres das nações? Quem vai pagar isso de volta? Ou, a quem mandarão a conta? Por outro lado muitas pessoas acreditam que dessa reviravolta será a entrada no socialismo, – sobretudo nos países do dito terceiro mundo elas pensam que os governantes, por conta da pandemia, começarão a priorizar às necessidades do povo. Será assim? Claro que não.
Fala-se de uma vacina. Também será ela uma exigência das fronteiras, dos portos e aeroportos? Como não. Antes as vacinas eram prevenções às doenças ditas típicas dos trópicos, para que os viajantes não se contagiassem com elas lá encontradas. Agora antevejo que vamos a passar a ser tratados como animais que são vacinados por lei antes de entrarem em outros países. A ordem é que o viajante não leve o vírus aonde for. Mas teremos que comprar essa vacina? Ou será grátis para aqueles que não podem pagar? São perguntas e dúvidas que alimentam o nosso dia-a-dia; e até quando estivermos a salvos dessa pandemia, vamos esperar.
Próxima postagem: 28/4/2020
Ei Mariluz! Eu estou super voltada para a escrita e leitura nestes dias de isolamento. E descobri que no leitor do blog eu poderia buscar Tags. Digitei “mulher” e “escrita feminina” e descobri você! Estou achando ótimo poder fazer trocas com quem também escreve. Sobre este texto, obrigada por ele! Eu tinha ouvido falar dessas publicações que você citou, especialmente a do Zizek. Não te acho utópica, é preciso construirmos saídas pro nosso modo de vida que está nos matando, isso é urgente, não utópico. Mas também tenho minhas bases marxistas… gostei demais dessa perspectiva da pandemia inscrevendo nos corpos a gestão política de um determinado momento histórico!!! Vou lendo mais textos seus a partir de agora! Abraço… sigamos escrevendo! ❤️
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Oi Aiezha, obrigada pela resposta. Um excelente filósofo da atualidade é o Paul B. Preciado – que era antes Beatriz Preciado – ele está incluído na compilação Sopa de Wuhan. Estou sempre em busca de bons pensadores. Um abraço da Mariluz
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